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Escrevendo na Selva 4z1630

Pela primeira vez na minha inusitada existência escreverei num lugar excepcional: na selva. Com papel e caneta nas mãos sigo a trilha quase fechada e retiro os galhos quebrados que me impossibilitam a caminhada e a escrita. É de manhã e o nevoeiro encobre a mim, caminhante-peregrino e a floresta. O verde da selva e o branco do nevoeiro formam uma simbiose pacífico-ecológica.

Estou aqui para ouvir a imensidão da mata e descrever seus propósitos. Sim, desejo perceber os sons da natureza com a leveza com que se comportam. Como é cedo, vejo os últimos animais noturnos se ocultarem em seus esconderijos. Enquanto se recolhem a arada acorda e entoa suas canções, sinfonia perfeita sem instrumentos, sem partituras e sem maestro. Então indago a mim mesmo: o que tem a me dizer a música da selva? – São insígnias, somente insígnias. Então, curvo-me diante da magnificência natural e torno-me ébrio de amor e sábio de esperança.

Os pássaros não cantam para mim, cantam para saudar a manhã e para atrair as companheiras para a festa do amor. Ouço, bem perto de mim, o nhambu, ave de chão, está logo ali, atrás de arbustos e samambaias. Então, lembro, quase de inteiro, uma estrofe de um poema de minha autoria: “Ouço o murmúrio dos matagais, sopro da ventania comportada. O enlevo exposto aos ventos traz dos pássaros escondidos os cantos”. Assim se percebe que poemas e selvas se aglutinam em tempos de amor total.

Sigo a caminhada e a brancura do nevoeiro vai até o chão. De tanto insistir, deixa gotículas de sereno nas folhas que molham minhas pernas. O ar puro é essencial e possui o perfume do verde e da matéria em decomposição. Ainda não ouço o zum-zum das abelhas, elas vêm mais tarde quando o Sol aquecer a floresta.

Aproximo-me de um lago, quase imperceptível, está coberto de folhas, galhos e paus podres. Está escuro por causa das árvores. Nele, há rãs, sapos, pererecas e cobras d’água. Talvez haja peixes. É bebedouro natural, fonte segura, casa, abrigo, nicho, satisfação permanente. Há atalhos e carreiros que se aglomeram ali. Fosse o lago o Sol, os caminhos seriam os raios a se espalharem pela mata.

Agora estou sentado sobre um tronco caído. É um cerne feito pedra que teima em não se decompor. Cernes são quase eternos. Anoto as sensações da selva no bloco de rascunho para não perder a excepcionalidade da experiência. Incrível: a caneta é o instrumento que registra as sensações da selva captadas pelos órgãos dos sentidos, que as levam ao cérebro, que as transforma em pensamentos, que ora registro no papel.

Caminho entre as árvores, pulo sobre os troncos caídos e ouço o barulho da água saindo da terra, que alimenta o lago e depois vai serpenteando entre a vegetação. É o som mais original da floresta. O som vem do chão, da base, da sustentação. Aguço o ouvido e os sons são distintos: há os sons da terra se misturando com os sons dos víveres e há ainda os sons do vento ando pelas galhadas.

Chego ao baixio das bromélias. Há muita umidade por aqui. Há bromélias no chão e há bromélias fixas nas árvores. Há árvores cobertas de bromélias, cactos e liquens. Há bromélias em flor e outras, pequenas, ainda estão crescendo. Na selva não há pressa. A lei é a natureza, não há a lei dos homens. Não se deve interferir. Não cabe ao ser humano construí-la, nem a destruir. Toda intervenção é destruição. Deixemo-la, portanto, intacta, íntegra e pura.

Volto a sentar-me sobre o cerne caído e enfio minhas mãos no queixo e cotovelos nos joelhos e reflito sobre selvas e abundâncias. Preciso concluir as impressões sobre a caminhada. Ainda hei de entender a grã-essência natural com seus desígnios e tendências. Sim, entenderei a linguagem silvestre com perfeição e rigor.

A selva é encanto e poder!

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